Caras eminências, excelências, caros reverendos, seminaristas e fiéis, venho por meio desta carta pública falar sobre o atual estado de necessidade que a Santa Igreja Católica se encontra.
Desde vários pontificados, nós, da Fraternidade, somos tratados como cismáticos, desobedientes, isolados e insubordinados. A situação para nós tem sido difícil há tempos, até que fomos aparente e ilicitamente excomungados, pelo então Cardeal Rossi, atual Papa Augusto, por reafirmarmos o que sempre fizemos: pregar a Fé Católica, rechaçar as novidades e conservar os sacramentos, conforme todos os santos fizeram. Nos foi exigido, pelo Cardeal Orleans e Bragança, um pedido de desculpas e de aceitação do Concílio Vaticano II, e uma intervenção.
A situação chegou ao ridículo quando, sem sequer ler dos nossos documentos propriamente, fomos condenados, e nossos documentos citados. No caso do Cardeal Orsini, que, aparentemente, havia se juntado a nós para nos usar como um escudo para fazer o que quisesse, obedecemos o Papa, removendo-o, e reafirmei que a Fraternidade não é um instrumento de desobediência. Porém, o mesmo (então, faço questão de realçar, para que este próprio documento que redijo não seja distorcido) Cardeal Rossi, viria a comentar sobre na sua "Petição ao Dicastério de Vida Consagrada sobre a FSSPX":
"Esta desobediência e falta de humildade, que lhes tem sido habitual, alcançou o seu ápice quando, em sua plataforma pública, a Fraternidade se levantou contra o próprio Estado do Vaticano, em clara e insolente oposição às diretrizes do Santo Padre. Notório exemplo é a infame "Declaração sobre o Cardeal Orsini" de 02 de agosto de 2024, onde, com palavras arrogantes e afrontosas, o superior da Fraternidade teve o atrevimento de desprezar a declaração de anátema proferida pelo saudoso Papa Gregório I, afirmando que a Fraternidade não deve ser "um instrumento de desordem, bagunça e rebeldia". Tal declaração é uma afronta vil e direta ao Colégio de Cardeais, representando um ato abominável e sem precedentes de contumaz desprezo pela dignidade dos purpurados da Santa Igreja de Cristo." (sic!!!)
Gostaria de ressaltar a incapacidade de ler o que está escrito e, genuinamente, compreender a mensagem. Pelo contrário, não me levantei contra o próprio "Estado do Vaticano, em clara e insolente oposição às diretrizes do Santo Padre", eu o obedeci, justamente porque era uma ordem completamente aceitável e razoável, me sentindo eu, até em defesa da imagem da Tradição, fazê-la!
Vejam o fim do documento, que foi tirado completamente de contexto pelo (então) Cardeal Rossi:
"Portanto, tendo isto em vista, afasto de nossa Fraternidade o Cardeal Orsini, e proíbo os membros dela de cederem suas igrejas para ele ou tomarem parte nos sacramentos que ele ministrar. Isto também é válido para os outros cardeais que o acompanharam.
Ressalto que a função da Fraternidade é guardar fielmente a Tradição Católica, não de ser um instrumento de desordem, bagunça e rebeldia. Convido todos os clérigos diocesanos a assistirem nossas missas, em comunhão com o Papa Gregório I."
Me surpreenda, e me sinto estranho, em ter que explicar um documento tão cristalino! Expus, de forma curta, as razões da expulsão e o pedido do Santo Padre, e cumpri com as ordens do então Papa Gregório I. Como isso é desobediência? E porque isso há algo em relação com o Estado do Vaticano? Não seria contra Roma e contra seu Bispo, o Vigário de Cristo, se realmente houvesse algum tipo de insolência?
Realmente, estamos no século do nada, e, como disse Gilbert Keith Chesterton, é necessário provar até que a grama é verde! Como que é possível que uma carta tão clara de obediência tenha sido usada para proclamar uma suposta desobediência?!
Apesar de todo esse barulho, o Sumo Pontífice de então, o Papa Leão I, parece não ter nos reconhecido como excomungados, e tudo seguiu "normalmente". Porém, recentemente, na reunião que fizemos com o Santo Padre após a sua coroação, foi empregado no começo da reunião o termo "comunhão plena" (como se houvesse algum outro tipo de comunhão que não fosse plena), além de nos ser dito que agora entraríamos em comunhão (como se em algum ponto tivéssemos rompido com ela).
Por fim, esta reunião não resultou em nada, pois não podíamos falar propriamente, sendo interrompidos sem conseguir concluir o que dizíamos.
Toda esta briga é porque nós queremos preservar a Tradição, seguir o caminho de Dom Marcel Lefebvre, que dedicou toda a sua vida em serviço à Santa Igreja, saindo de seu país natal, a França, para dedicar toda a sua juventude para converter os gentios da África, coisa que irrita muitos hoje, por ser um "pecado contra o ecumenismo", já que são a favor da "liberdade religiosa". Ele se tornou bispo e delegado apostólico para toda a África francófona, e nunca teve medo de pregar a Verdade, jamais se valendo de termos ambíguos, palavras que não dizem nada e subjetivismos.
Repito mais uma vez o que já disse: rejeitamos o Concílio Vaticano II, pois somos católicos, e rejeitamos sua missa e seus sacramentos bastardos (NOTA: o termo bastardo aqui empregado significa "filho ilegítimo", não a ofensa que é popular na língua inglesa, Dom Marcel Lefebvre usou esse termo neste sentido para se referir aos novos sacramentos em um de seus sermões de 1976, disponível aqui, na versão inglesa comentada por outro padre, que faz questão de ressaltar o significado empregado da palavra), que são o resultado da tentativa de união adúltera entre a Igreja e a revolução. Reconhecemos algo que vale para todos, dito por São Pio V na Quo Primum, que a missa de sempre pode ser rezada por qualquer padre sem escrúpulo de consciência. Reconhecemos também a Syllabus de Pio IX, que condena o indiferentismo religioso, da onde deriva a laicidade de estado, a liberdade religiosa e o ecumenismo.
Faço questão de lembrar que foram chamados para serem peritos do concílio teólogos da Nouvelle Théologie, um movimento neomodernista condenado por Pio XII, como Yves Congar e Henri de Lubac. Caíram na boca dos clérigos e religiosos as doutrinas destes homens, e muitos outros, como Teilhard de Chardin, cuja leitura foi considerada perigosa pelo Santo Ofício no pontificado de João XXIII. Também menciono Jacques Maritain, que, após 1926, infelizmente se corrompeu, arrastando consigo muitos outros pensadores e grupos, como o Centro Dom Vital e o dr. Alceu, que, até o fim da vida, ainda elogiaria a teologia da libertação.
Mal havia acabado o concílio e nem havia sido terminada a missa nova, e já havia um beneditino fazendo missas com berimbau e violão para "atrair as massas", e os franciscanos da igreja Nossa Senhora da Paz já chamaram os Brazilian Beatles para fazer uma missa iê-iê-iê, com música, dança e desmaios.
Por estas razões, nos vemos em um estado de necessidade, onde toda a hierarquia é avessa e hostil a Tradição de 2000 anos, que chegou até nós pelos apóstolos e seus sucessores, e dócil para as novidades do século. Muitos hoje deificam valores seculares, e "desmitizam" o catolicismo, gerando uma religião horizontal, sem sobrenatural, cujos dogmas "evoluem". Entre os valores deificados estão a democracia, a sociedade sem classes, o "amor livre" (ou seja, um "amor" que consiste nas paixões desenfreadas e a livre prática de vários pecados contra a castidade e a natureza), entre muitos outros. Eu poderia resumir tudo em um lema: Liberté, Égalitè, Fraternitè. É impossível não comparar o Vaticano II com a revolução francesa, ainda mais quando sabemos que os revolucionários tentaram estabelecer uma igreja nacional cujos bispos eram eleitos pelos "cidadãos", uma igreja "do povo", que escolhia sua hierarquia, o que estranhamente me lembra o conceito de "igreja sinodal" e o "sínodo da sinodalidade".
Nós lutamos pelo reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei dos reis e Senhor dos senhores, que possui uma dignidade infinita, embora milhões de gentios, infiéis e hereges se recusem a reconhecer. Continuaremos em nossa luta e faremos o que for necessário para a sobrevivência da Tradição, assim como fez Sua Excelência Reverendíssima Dom Marcel Lefebvre e Sua Excelência Reverendíssima Dom Antônio de Castro Mayer.
Christus heri et hodie: ipse et in saecula (Epistolae ad Hebræos 13, 8).
Padre Bruno Maria Sartori